“Brasileiros lançam app de avaliação de mulheres em resposta ao Lulu
Depois do Lulu, aplicativo que permite a mulheres darem notas a homens que são contatos no Facebook, um grupo de brasileiros de Indaiatuba (SP) lançou uma resposta, também em forma de app (...)
Segundo um dos desenvolvedores, Murilo Vianello, 23, a ideia do programa não é vingar os injustiçados homens. ‘Nossa proposta é diferente, não temos conteúdo agressivo. Nossa intenção não é denegrir a imagem da mulher, mas sim aproximá-la do que ela mesmo faz, das próprias avaliações’, disse por telefone à Folha (...)
No Clube do Bolinha, toda conta de gênero feminino registrada no Facebook pode ser avaliada, mas o perfil pode ser removido do serviço por meio da página do aplicativo na central de apps da rede (clicar em ‘remover’, na barra lateral direita).”
Você está chegando em casa e vê sua foto no muro, com seu nome e notas sobre sua performance na cama, no restaurante e assim por diante. Pior: você descobre que sua foto está espalhada pela cidade, na frente da casa de cada um de seus amigos e conhecidos. Talvez até na frente do local onde trabalha. Ou talvez não sejam muros, mas outdoors e faixas espalhadas por uma empresa de publicidade. Você, obviamente, vai sentir-se incomodado. Provavelmente sentirá angústia, depressão etc.
Qualquer pessoa normal saberá instintivamente que quem espalhou as imagens pela cidade pode ser responsabilizado pela Justiça. Mas temos uma incrível capacidade de achar que se a mesma coisa acontece na internet, tudo bem.
Mas não pode. Nossa lei é clara a respeito. A imagem de uma pessoa pertence àquela pessoa e não pode ser usada sem autorização do retratado. Ademais, o inciso X do art. 5o da Constituição não protege apenas a imagem: ele protege também a privacidade. Diz ele que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.
Ora, dar notas a respeito da performance sexual de uma pessoa é uma violação clara de seu direito à intimidade.
O mesmo ocorre com o nome. O art. 17 de nosso Código Civil não poderia ser mais claro: “o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória”. Não importa que quem está divulgando o nome da outra pessoa não tenha interesse em difamá-la. Basta que haja a exposição ao desprezo público, seja ele como for. Chamar alguém de ‘mosca morta’ ou 'maria gasolina', como no caso exposto na reportagem acima, é obviamente uma forma de exposição ao desprezo público.
Em todos esses casos, a lei diz que quem viola a privacidade ou de qualquer forma causa uma perda ou dano moral ao retratado ou reportado passa a ser responsável por tais danos e responde, financeiramente, por eles. O próprio inciso X diz que é “assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. E o art. 20 do Código Civil diz que “a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”
Em teoria, quem desenvolveu e disponibilizou os aplicativos passa a ser financeiramente responsável não só pelas perdas materiais mas também – e sobretudo – pelos danos emocionais sofridos pelos ‘avaliados’ através de seu aplicativo. Em uma plataforma com mais de 1 bilhão de usuários, isso pode sair muito caro para os ‘empreendedores’.
Não basta simplesmente dizer 'desenvolvemos a plataforma, mas os comentários são dos usuários'. O problema aqui é que o uso para o qual a plataforma foi feita é claro.
O fato de o aplicativo vir com um botão para remover o perfil não redime seus desenvolvedores de sua responsabilidade. Afinal, quem se sentiu lesado já terá sofrido a lesão antes de conseguir excluir sua foto ou nome. É a mesma coisa de a empresa responsável pelos outdoors dizer que retirará sua foto se você sentir-se ofendido: todo mundo já terá visto sua foto no outdoor quando ela for finalmente retirada (aliás, esse é o mesmo mecanismo de responsabilização de quem divulga filmes e fotos eróticas amadoras na internet dizendo ‘se você é a pessoa retratada, entre em contato e retiraremos do ar’. O dono do site é responsável pelo dano sofrido enquanto permaneceu no ar).
Mas existe um outro detalhe que passa quase desapercebido. O retratado ou avaliado não precisa esperar o dano ocorrer para tomar providências. O art. 21 do Código Civil diz que “o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. A Justiça pode impedir previamente que o dano ocorra. Basta que qualquer pessoa que se sinta ameaçada pelo uso do aplicativo peça à Justiça. Aqui a Justiça atua para impedir o dano, em vez de tentar apenas remediá-lo mais adiante. Por irônico – ou não – que seja, esse é exatamente o mesmo mecanismo que tem impedido a publicação de biografias não autorizadas.